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terça-feira, 1 de maio de 2012

O mito da solidão



 
Ela, 42 anos, morava sozinha há pelo menos 20, nenhum casamento ou filhos. Ele, pouco mais de 50, casado por 30, pai e avô.

Ela havia saído da casa dos pais bem cedo para estudar, e passou a morar noutra cidade, quando arrumou o primeiro emprego. Ele, com espírito aventureiro, rodou todo o Brasil, e para se sustentar, fez bicos como pedreiro, garçom, cozinheiro, motorista e fotógrafo.

De maneiras distintas, caíram na mesma empresa e hoje trabalham no mesmo setor, numa sala com mais 3 colegas.

Ela gasta muito tempo programando o fim de semana. Descobre os eventos mais legais, convence as amigas mais divertidas, se não consegue pagar a vista, dá um jeito de dividir tudo no cartão. Ele prefere empregar seu tempo no resgate de fotos antigas, alimentação de blogs ou pesquisando a cultura popular.

Ela gosta de usar roupas que evidenciem a boa forma conquistada durante anos de academia. Ele critica a solteirice dela, diz que de tanto evitar o matrimônio, ela vai acabar “só como um cachorro”.

“Como um cachorro não, que até bicho tem um dono pra ser fiel”. A frase ecoa nos meus ouvidos, assim como a justificativa: “Sou casado, tenho filho e neto, e ainda assim, quando me vejo sozinho em casa, não suporto”.

Na falta de um bom argumento para retrucar a provocação, ela calou-se. Mostrou a má recepção da idéia com uma expressão séria. Ele, incansável, ainda sugeriu que ela se juntasse ao outro colega de sala, com idade parecida a dela e também solteiro.

Juntar”. Como se fosse um quebra-cabeça, um par de peças do jogo da memória, um par de sapatos usado para dois pés descalços. Um “arranjo”. Serviu. Coube. “Nossa! Melhor que nada”.

Não tenho nada contra aquela frase “é impossível ser feliz sozinho”. Acho a música linda, a melodia, uma delícia. Até concordo, sério. A gente precisa de alguém até mesmo para vir ao mundo, não é mesmo? Só não consigo digerir facilmente o discurso eterno da solidão. A má fama de que pessoas solteiras não conseguem ser felizes, e apenas sobrevivem até se tornar 1ª do plural. Acho sufocante, doentio. Com quem recebe a pressão ou exerce. Eu me preocuparia muito mais com o colega que não consegue passar um instante sozinho em sua casa, que com a mulher que vive há 20 consigo mesma.

Para mim, solidão tem a ver com estado de espírito. Às vezes, estar sozinho é um presente, oportunidade maravilhosa de autoconhecimento, cumplicidade. Sentir-se só, no meio da multidão, representa a verdadeira rasteira, a sensação de não identificação, falta de encaixe ou pertencimento. Essa solidão não acaricia. Dói, machuca, desestabiliza.

Não deveríamos ser ensinados a ter medo de nós mesmos, nada daquela competição em que o último é mulher do padre. ‘Devagar que eu tenho pressa’, é a frase que eu prefiro. Não ter receio de se conhecer também deveria fazer parte do aprendizado para saber quem apresentar as outras pessoas.

3 comentários:

  1. E quem foi que disse que estar com alguém, mesmo que seja o grande amor da sua vida, tira a solidão da tua alma? Acho que o problema maior da solidão é justamente nunca viver só. Nunca se saber uma boa companhia, não curtir uma meditação à meia luz numa sala cheirosa ou provar um uísque ouvindo blues só pra rir de si e descobrir q odeia os dois (blues e uísque). Carái, mochila nas costas, minhirmã e pé na estrada! Na estrada, ou no caminho, ou na volta, se conhecer o amor da sua vida poderá dizer a ele seu nome, sobrenome e quem vc realmente é.

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  2. Fantástico!
    Essa "disputa" diária entre essas pessoas, que me fizeram rir durante muitas manhãs, ainda vai durar, espero, por muitos anos ...

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  3. Ô, se vai, Everton! Esses personagens aí dão muito pano pra manga, hehehe.

    Obrigada pelo comentário! :)

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